A carta do Ambientalista Lutzenberger parece ser tão atual................
Por: José Lutzenberger, fevereiro de 1981.
De
todas as absurdas orgias de venenos e substâncias estranhas à Vida com que a
Moderna Sociedade Industrial nos envolve, encobre, satura - agrotóxicos no campo,
na floresta, no silo e no alimento; aditivos de efeito conservante, condicionante
ou simplesmente cosmético nos alimentos; hormônios, antibióticos, sulfas,
arsênico ou selênio, corantes, tranqüilizantes nas fábricas de carne ou de ovos;
remédios indiscriminadamente vendidos ou receitados, a causar mais doenças
iatrogênicas do que as que podem curar; aditivos nos plásticos e demais embalagens,
sem enumerar as enxurradas de venenos cancerígenos, mutagênicos e outros nos
efluentes aéreos e líquidos e nos detritos sólidos das indústrias – talvez a
mais absurda das orgias seja a dos domotóxicos, os venenos que cada dia mais se
aplicam em nossos lares e logradouros públicos.
Os
supermercados, armazéns e botequins estão cheios de inseticidas, repelentes, aromatizantes,
desinfetantes, em embalagens atrativas, às vezes adicionadas de presentes para
as crianças. Na TV se podem ver anúncios como aquele do bebê dormindo e a mãe
aplicando spray de inseticidas contra o mosquito.
Conhecido
colunista, titulando-me de apóstolo de mosquiteiro, chegou a protestar contra
artigo meu, dizendo que, após trinta anos de uso constante do DDT, prefere sinceramente
os seus apregoados riscos à antiga tenda de torturas noturnas.
Nada
se pode opor a sua preferência, pois sabe o que faz. Mas que dizer da vovozinha
que, fascinada com o lindo anúncio de TV, resolve submeter o netinho bebê à
inalação permanente, noite após noite, durante anos, de doses pequenas, ou nem
tão pequenas, de venenos como carbamatos, dicloros, diazinon, ácido crisantêmico
e tantos outros venenos que podem atacar o sistema nervoso central, uns, o
sistema respiratório outros, causar problemas no sistema imunológico, renal,
hepático e demais sistemas do organismo, ou em vários deles ao mesmo tempo,
pois, na maioria dos casos, os produtos vendidos, sem nenhuma advertência
quanto à sua real periculosidade crônica, são verdadeiros coquetéis diabólicos.
Os sintomas que aparecem no envenenamento agudo podem confundir qualquer médico
que, aliás, na prática, quase nunca está advertido e, muitas vezes, ignora o
alcance do escândalo, o que é naturalmente do interesse da indústria química. E
que culpa terá a criança, quando, mais adiante em sua vida, aparecerem
calamidades irreversíveis?
Quando
acontecem as calamidades evidentes, a indústria sempre procura culpar o que ela
chama de “mau uso”. Mas esse mau uso é ela mesma quem promove com os anúncios
criminosos que faz. Se para o técnico é muito difícil informar-se - na maioria
dos casos é difícil descobrir nas etiquetas, em letras ultra-pequenas, quais os
ingredientes ativos de cada produto - como esperar que a dona-de-casa, que de nada suspeita, perceba que está com
uma arma feroz na mão?
Os
poucos dados toxicológicos divulgados são quase sempre originários da própria
indústria, que tem interesse em não “estragar a imagem” de seus produtos. O
DDVP foi promovido amplamente dez anos atrás como sendo absolutamente inofensivo,
hoje sabemos que pode causar problemas muito graves. Entretanto, ele continua
presente em quase todos os sprays vendidos para uso doméstico.
Mas
será que precisamos mesmo de todos estes venenos dentro de casa? Será que eles
adiantam? Por um lado fixou-se nas mentes alienadas da maioria das pessoas que
se criaram no meio do concreto uma absurda ojeriza por tudo quanto é
“bichinho”. Basta algum insetozinho mover-se dentro de casa e lá vem a bomba de
veneno. Chegam a telefonar-me para saber como matar os morcegos que de noite
circulam no quintal. Animais aliados do homem como este, ou aquelas lindas pequenas
lagartixas de corpo translúcido, os guecos, são ferozmente perseguidos quando
deveriam ser promovidos. O gueco, vindo do norte tropical, levou quase vinte
anos para adaptar-se ao clima do Rio Grande do Sul. Agora vem sendo exterminado pelos sprays e
pelas violentas “desinsetizações”.
Realmente,
eu me pergunto, mais uma vez, será que instrumentos tão eficientes, tão baratos
e tão amenos como o mosquiteiro e iscas para moscas e baratas, as telas nas
janelas, as fitas nas portas estão hoje proibidas ou surgiram tabus intransponíveis
contra elas? É claro que há os que promovem estes tabus, são os que lucram com
a venda dos venenos.
E
por que será que os órgãos responsáveis pelos trabalhos de saneamento não mais
conhecem os trabalhos sistemáticos de erradicação de focos de mosquitos que
eram tão eficientes no passado? No nosso Estado a malária foi erradicada antes
do DDT. É sabido, especialmente em
nossas praias, que as mais poderosas fábricas de mosquito, são as fossas mal
pensadas e mal mantidas. De nada adiantam as fantásticas pulverizações com
aqueles superpotentes nebulizadores da Secretaria da Saúde dentro de casa, em
jardins ou arbustos de terrenos abandonados, se o foco de mosquito na fossa
continua trabalhando a todo o vapor.
Onde está a inspeção das fossas? Toda fossa que tiver respirador horizontal
em direção à sarjeta pode produzir milhões de mosquitos por dia. Onde está o
esforço público para ensinar como fazer uma fossa com sifão na saída, que não
permita a entrada das fêmeas ovadas?
Onde está o trabalho sistemático de eliminação dos demais tipos de focos
de proliferação dos mosquitos, por exemplo, os alagados nas regiões urbanas que
recebem cargas de lixo ou esgoto cru? Por que não se verifica nenhuma atividade
sistemática neste campo? Porque não se esclarece o público?
Infelizmente,
os órgãos públicos aceitam, sem crítica, a filosofia da indústria química. Mas
com a química só tratamos sintomas.
Precisamos acabar com as causas. E precisamos de novas atitudes.
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